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Chomsky na 'Folha' e no mundo

by Olavo de Carvalho
A Folha de S. Paulo não se contenta com inverter o sentido da notícia. Mesmo diante do resultado da pesquisa, a Prospect teve a precaução de não tomar a preferência de seus vinte mil leitores como expressão da unanimidade mundial. Na capa do seu número 116, de novembro, que publica os resultados da pesquisa, o reconhecimento de Chomsky como intelectual público mais influente do mundo não é afirmado como verdade mas atenuado por um eloqüente ponto de interrogação, que a Folha suprimiu para transformar a possibilidade em fato consumado, ocultando dos leitores que fez isso por decisão própria e não da Prospect .
Chomsky na “Folha” e no mundo

Olavo de Carvalho
DC, 24 de outubro de 2005

O Brasil inteiro perdeu a vergonha na cara, mas os garotos da Folha de S. Paulo nunca tiveram mesmo nenhuma e por isso ficam tão bem no quadro presente. “Chomsky é declarado o maior intelectual do mundo”, proclamam os safadinhos na edição do último dia 18, em cima do despacho da France-Presse que dá os resultados de uma enquete promovida entre vinte mil leitores pela revista inglesa Prospect . Entre o título e a realidade, a distância é imensurável.

Para começar, a revista não perguntou “qual o maior intelectual do mundo” e sim “qual o intelectual público mais influente do mundo”. As diferenças são duas: “intelectual” tout court não é a mesma coisa que “intelectual público”, e “maior” não é a mesma coisa que “mais influente”.

O rótulo de “intelectual” aplica-se a qualquer pessoa envolvida em trabalhos de ciência, arte, filosofia, ensino, jornalismo etc. Sua gama de significados abrange desde os gênios criadores que moldam a cosmovisão dos séculos até o exército anônimo e inumerável de retransmissores, copiadores, etc. O “maior intelectual” não poderia em hipótese alguma estar entre estes últimos, porque a grandeza no seu ofício consiste justamente em fazer sozinho algo que muitos deles juntos não teriam força para fazer.

“Intelectual público” é termo preciso que diferencia, no conjunto dos intelectuais, aqueles que rotineiramente opinam sobre as questões do momento e o fazem através de canais de comunicação de amplo alcance. O professor que analisa uma crise política para os alunos em sala de aula não é um intelectual público, assim como não o é o grande estudioso de problemas demasiado afastados do foco de atenção popular, mesmo que trate deles em artigos de jornal, mesmo que dê algum palpite esporádico a respeito em debates na TV e mesmo que alcance, no domínio da sua ocupação especial, aquela máxima celebridade que faria meio mundo apontá-lo no meio da rua. Nem as crianças desconheciam Albert Einstein, mas isto não o tornava um intelectual público, porque sua intervenção em debates públicos era rara e ocasional. Para ser um intelectual público, é claro, o sujeito tem de ser primeiro um intelectual, grande ou pequeno. Mas não pode sê-lo se a interferência nessas discussões não é uma de suas atividades essenciais e costumeiras. Pensadores enormente influentes, como Arnold Toynbee e Martin Heidegger, nunca foram intelectuais públicos, porque sua influência não foi exercida diretamente através dos meios de comunicação de massa, mas chegou até o público pela intermediação dos círculos acadêmicos.

O que constitui o intelectual público não é a publicidade apenas: é a publicidade constante e rotineira, incorporada aos seus meios usuais de trabalho.

A pergunta “Qual é o intelectual público mais influente do mundo?”, portanto, não visa a medir a relevância intelectual e nem mesmo a fama de um determinado homem de idéias, mas a intensidade e a extensão da sua influência como força política constante.

Ninguém ignora, por exemplo – e escolho propositadamente dois pensadores que a mim não me dizem nada -- que o pensamento de Heidegger foi decisivo para a formação das idéias de Jean-Paul Sartre. É a diferença entre o mestre e o epígono, o desbravador e o seguidor ou adaptador. Também ninguém ignora que Sartre atraiu muito mais atenção popular do que esse seu guru. Heidegger era mentor de filósofos, Sartre de ativistas estudantis. O próprio Heidegger marcou bem essa diferença, quando, solicitado a receber a visita do discípulo francês, respondeu: “Não atendo jornalistas.” Num concurso de influência filosófica, ou intelectual no sentido próprio, Heidegger só perderia para seu mestre Husserl. Sartre nem entraria no páreo. Mas Sartre era um intelectual público, e Heidegger não. Muito menos Husserl.

Mutatis mutandis , o filósofo Leo Strauss, um gênio incomum, não foi conhecido em vida senão por um seleto círculo de estudiosos, através dos quais sua influência foi se alastrando postumamente entre intelectuais, jornalistas e políticos até que o “straussismo” se consolidasse como doutrina oficiosa de uma facção dos conservadores americanos. Essa facção tem hoje representantes no governo e na mídia que usam o que aprenderam com Strauss para analisar e debater as questões do dia. Paul Wolfowitz e William Kristol são intelectuais públicos. O homem que formou a mentalidade deles jamais o foi.

Dar à pergunta sobre qual o mais influente intelectual público o sentido de “quem é o maior intectual” resulta em colocar William Kristol e Paul Wolfowitz acima de Leo Strauss.

É isso o que a Folha faz com a pesquisa. Modifica tão radicalmente o seu sentido que chega a invertê-lo. Posso assegurar isso com toda a certeza pelo simples fato de que eu mesmo, leitor costumeiro da Prospect , fui um dos vinte mil votantes, preenchi o formulário com minhas próprias mãos e decerto teria votado de maneira muito diversa se a eleição fosse a do maior intelectual do mundo. Tal como a questão estava formulada, a vitória de Chomsky era inevitável, porque, quantitativamente, ele é o intelectual de maior presença na mídia, o mais citado em trabalhos estudantis nos EUA e o de mais permanente atuação em campanhas políticas desde há quarenta anos. Ele é, ademais, o único que se dedica a isso com tanto comprometimento -- muito acima de suas ocupações nominais de lingüista nas quais há décadas não produz nada de interessante --, que chega a ter para isso um corpo permanente de colaboradores, redatores, editores, tradutores, divulgadores e public relations profissionais. Eles o acompanham por toda parte, gravando cada palavra dele e transformando tudo em livros que são publicados simultaneamente em dezenas de idiomas com aparato publicitário inigualável, reforçado pela rede multinacional de ONGs organizadas em torno da militância chomskista. Se vocês examinarem a bibliografia do homem, notarão que há mais de duas décadas quase tudo o que ele publica é fabricado assim. Chomsky é não apenas o intelectual público por excelência, é alguém que deu a essa atividade um sentido de organização profissional acima de tudo o que se conhecia antes na área. Nem mesmo Voltaire, o Chomsky do século XVIII, teve uma infra-estrutura tão sólida e tão vasta à sua disposição. No mínimo, ele teve de escrever pessoalmente cada palavra dos cento e tantos volumes de suas Obras Completas . Chomsky apenas ejeta pela boca a matéria-prima. A indústria faz o resto. Por esses detalhes mede-se a hipocrisia do sujeito quando, notificado da vitória, declarou que “não presta atenção nessas coisas”. Na verdade, ele nunca presta atenção em nada mais.

Numa competição para nomear “o maior intelectual”, Chomsky talvez fosse cogitado nos anos 70, quando sua “lingüística geracional” ainda parecia uma descoberta substancial. Há três décadas paralisado por uma esterilidade científica completa enquanto sua velha teoria naufraga num mar de contestações (v. “A Corrupted Linguistics”, por Robert D. Levine e Paul M. Postal, em The Anti-Chomsky Reader , ed. Peter Collier e David Horowitz, San Francisco, Encounter Books, 2004), Chomsky defendeu firmemente sua posição de “intelectual público” ao ponto de já não poder ser considerado senão isso e nada mais. Talvez por essa razão a Prospect teve o cuidado de não apenas distinguir entre “intelectual” e “intelectual público”, conceitos que a Folha embaralhou, mas também de não designar a posição de Chomsky na votação com a palavra “greatest” e sim com “top”, que não tem a conotação solene associada ao termo “maior”.

Porém a Folha de S. Paulo não se contenta com inverter o sentido da notícia. Mesmo diante do resultado da pesquisa, a Prospect teve a precaução de não tomar a preferência de seus vinte mil leitores como expressão da unanimidade mundial. Na capa do seu número 116, de novembro, que publica os resultados da pesquisa, o reconhecimento de Chomsky como intelectual público mais influente do mundo não é afirmado como verdade mas atenuado por um eloqüente ponto de interrogação, que a Folha suprimiu para transformar a possibilidade em fato consumado, ocultando dos leitores que fez isso por decisão própria e não da Prospect .

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 24 de outubro de 2005

http://www.olavodecarvalho.org/semana/051024dc.htm

http://www.olavodecarvalho.org
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